Mesmo hoje compartilhando com o mundo através dos dramas, o país ideal e desenvolvido que a Coreia do Sul é considerada, 36 pessoas coreanas cometem suicídio a cada dia. Existe uma realidade sul-coreana que não é compartilhada pelas novelas e filmes e sim pelos noticiários. Após o fim da Guerra da Coreia, o país quebrado em busca do desenvolvimento acabou criando uma sociedade sob elevados níveis de competitividade, o que levou muitos dos seus cidadãos a sofrer de problemas de saúde mental, assunto que é um tabo em sua sociedade até os dias de hoje.
O fato do país ter a maior taxa de suicídio entre as 38 nações que formam a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) já é um fator preocupante para seu governo, que vem tomando medidas para firmes para mudar esse cenário. Entretanto, uma classe trabalhadora em específico vem chamando atenção pela frequência em que pessoas optam por tirar sua própria vida, pelo motivo de suas vidas, até então, serem um fácil alvo de um julgamento. As novas leis elaboradas prometem finalmente trazer proteção e privacidades para aqueles que trabalham com sua própria imagem.
A indústria do K-pop, por exemplo, é uma classe de artistas altamente competitiva, com inúmeras pessoas aspirando a se tornarem idols de maior sucesso. Todos sabemos, ou fingimos não saber, de quão rigoroso é um processo de treinamento e a validação que um idol necessita da sociedade o tempo todo. A própria indústria deve arcar com grande parte da responsabilidade ao tratar seu proletariado como mercadorias das quais as agências podem extrair o máximo de lucro e no menor tempo possível. Juntando essa característica do sistema e com as nunca reguladas liberdade de expressão e privacidade, qualquer pessoa se sente motivado a comentar palavras de ódio devido à falta do medo de qualquer punição. Sejam problemas financeiros, relacionamentos, questões familiares, declínio de popularidade, abuso online ou qualquer outro fator, tentar explicar cada morte é reiterar a uma cultura que lucra com o sofrimento, mas parece “fácil” para algumas pessoas entenderem porque um artista, tomaria esse tipo de escolha para sua própria vida.
Lei da Proteção e Apoio aos Direitos e Interesses dos Jovens Artistas
Em uma tentativa de mudança desse triste cenário em dezembro de 2023, o Conselho Metropolitano de Seul promulgou uma nova lei em prol dos direitos humanos dos trainees. A Portaria sobre a Proteção e Apoio aos Direitos e Interesses dos Jovens Artistas Culturais em Seul, visa preencher lacunas institucionais, abordando a falta de estruturas para proteger os direitos dos trainees de ídolos. Visa particularmente práticas prejudiciais, como perda forçada de peso e cirurgia plástica, que têm prevalecido na indústria. A nova lei supostamente concede ao concelho municipal autoridade para realizar avaliações psicológicas e fornecer aconselhamento aos estagiários, oferecendo apoio vital para mitigar os desencadeadores de stress e promover o bem-estar geral destes jovens talentos. Prevê-se que esta medida promova um ambiente mais saudável dentro do sistema de formação K-Pop, marcando um passo significativo no sentido de melhorar os padrões éticos de uma cruel indústria.
“Lei Lee Sun-kyun” para proteger os direitos humanos dos artistas
Também em dezembro do ano passado, fomos surpreendidos com mais uma perda de uma celebridade sul-coreana para o suicídio. Lee Sun Kyun, 48 anos, aclamado ator coreano por suas atuações no drama "My Mister" e no filme ganhador do Oscar "Parasita", foi encontrado morto em um carro poucos dias após a terceira rodada de interrogatório policial de 19 horas sobre suspeitas de uso de drogas ilegais. Alegando inocência, Lee solicitou um teste no detector de mentiras. A polícia encerrou a investigação no mês seguinte ao falecimento do ator . A morte de SunKyung, que enfrentava o julgamento pela lei, mas que foi principalmente julgado pela população, trouxe evidências de como os artistas são duramente criticados em seu próprio país, a mídia internacional ficou espantada com algo que é o dia a dia da mídia coreana.
Devido à grandiosidade do seu trabalho como ator em vida, Lee Sun Kyun não foi apenas mais um número adicionado a uma alta taxa de suicídio. Figuras culturais incluindo o diretor de “Parasita”, Bong Joon-ho que trabalhou com Lee, criticaram a polícia coreana e a mídia coreana pela condução e contribuição para o seguinte desfecho do caso. Questionamentos foram levantado sobre se a investigação policial foi conduzida adequadamente, incluindo a legalidade da aparição de Lee na sede da polícia para interrogatório ter sido levada ao público foram feitos. Assim como, questionamentos relacionados a uma reportagem polêmica de uma emissora pública, KBS, que teriam suspeitas de possuir algum benefício público quando divulgou relatórios provocativos sobre a vida pessoal de Lee, que se dizem irrelevantes para as acusações contra ele.
"Só porque os artistas recebem reconhecimento do público através da mídia, isso não acontece”. Isso significa que a mídia pode reportar sobre artistas sem uma verificação clara dos fatos. O que o jornalismo asiático e os 'destruidores cibernéticos' estão fazendo agora deve ser corrigido"
Cantor e compositor Yoon Jong-shin, sobre o caso Lee Sun Kyung
A Associação de Solidariedade dos Artistas Culturais pretende entregar uma declaração escrita ao presidente da Assembleia Nacional, bem como à polícia e à KBS. Eles também planejam continuar sua ação coletiva até “obterem um resultado aceitável” e se unirem a outros grupos de artistas para a chamada “Lei Lee Sun-kyun”, que visa proteger os direitos humanos dos artistas, embora nenhum detalhe tenha sido divulgado sobre qual seria o conteúdo do projeto de lei.
É claro que o suicídio não se limita à indústria do entretenimento da Coreia do Sul. Existe a certeza que esse é um problema para todos na sociedade sul-coreana. Entretanto, além de artista, deverem passar a ser lembrados antes de tudo como seres humanos, se pessoas com visibilidade e dinheiro estão incluídos neste mar escuro o que pensar daqueles que os nomes viram números e não são lembrados além daqueles que os amavam? Além disso, um estudo feito na Coreia do Sul confirmou que a taxa de suicídio aumenta significativamente após a visibilidade dada aos suicídios de celebridades. A pesquisa conclui que todos os meios de comunicação social e todas as formas de mídia e produtores de conteúdo devem reconhecer que suas denúncias de suicídio podem aumentar o suicídio imitador e cumprir as diretrizes enfatizado como uma das estratégias para a prevenção do suicídio. Para isso um dia acontecer, o governo e mídia coreana devem cooperar entre si criando e incentivando o seguimento dessas diretrizes , uma relação muito diferente da desempenhada pelas instituições mencionadas atualmente.
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