Apesar da imagem de perfeição que nos é passada pelos Kdramas sobre a Coreia do Sul, essa visão utópica está longe da realidade especialmente no que se trata do direito da mulher. Se os amantes dos romances das novelas coreanas se permitirem buscar sobre o cotidiano na Coreia, não é nada difícil se deparar com inúmeras notícias sobre o abuso contra as mulheres, sendo elas coreanas ou estrangeiras. Em uma sociedade patriarcal como a coreana, a desigualdade de gênero está aumentando cada vez mais, com elevadas taxas de crimes físicos e digitais contra as mulheres. Mesmo sendo prejudicadas no convívio com a sociedade, e sofrendo danos causados por homens, os mesmo ainda culpam as mulheres e o feminismo por questões sociais, como, por exemplo, a baixa na taxa de natalidade.
Na Coreia do Sul, onde os casos de feminicídio, pornografia de vingança e violência contra a mulher são generalizados, um aumento nos crimes sexuais com câmaras espiãs, esmagadoramente cometidos por homens, resultou principalmente em multas e penas de prisão suspensas, se é que foram processados. No entanto, esse não foi o caso de uma mulher de 25 anos que em 2018 tirou uma foto não consensual de um modelo nu na escola de artes e a publicou online e foi condenada a dez meses de prisão e a aconselhamento sobre violência sexual ordenado pelo tribunal. O acontecimento gerou manifestações, uma reação à hipocrisia sobre o gênero de quem comete o crime. Muitas das mulheres nos protestos rasparam a cabeça diante das câmeras, o que retratou um ato público de rejeição às mesmas expectativas estéticas impostas às mulheres coreanas que fizeram do país um líder em produtos de beleza e cirurgia plástica.
O movimento Escape The Corset (Fuga do Espartilho), que ganhou popularidade pela primeira vez em 2018 no país, viu as mulheres coreanas se afastarem publicamente dos padrões de beleza impostos pela sociedade, cortando o cabelo curto e ficando com o rosto descoberto. Em 2019, uma pesquisa descobriu que 24% das mulheres na faixa dos 20 anos relataram ter cortado seus gastos com produtos de beleza no ano anterior, com muitas dizendo que não sentiam mais que precisavam se esforçar para alcançar padroes de beleza impostos. Eventualmente, um movimento muito menor na época ia criando sua visibilidade, principalmente pela internet. Por meio de grupos de bate-papo abertos no KakaoTalk, mulheres feministas com os mesmos ideais se conectavam e passavam a se conhecer pessoalmente, com a facilidade do reconhecimento pelo uso do cabelo curto, deram início ao movimento 4B.
Afetadas e cansadas da discriminação de gênero que habita todos os cantos da sua sociedade, os seguidores do 4B quando ele surgiu não tinham como objetivo apenas lutar contra o patriarcado, mas afastar-se dele completamente. O movimento 4B, é um movimento coreano radical feminista que sustenta um ideal de “viver em um mundo sem homens”. A criação do movimento foi inspirada no romance Cho Nam-Joo de 2016, “Kim Jiyoung, nascida em 1982” que relata as experiências diárias de sexismo, desigualdade e misoginias de todas as mulheres na Coreia do Sul contemporânea e documentava as tentativas das mulheres sul-coreanas de se livrarem da dominação masculina.
O movimento 4B é baseado em quatro princípios: Bihon (não ao casamento heterossexual), Bichulsan (não ao parto), Biyeonae (não ao namoro) e Bisekseu (não às relações sexuais heterossexuais). É ao mesmo tempo, uma postura ideológica e um estilo de vida, e muitas mulheres participantes do movimento chegam a estender o seu boicote a quase todos os homens nas suas vidas, inclusive distanciando-se dos amigos homens. As feministas que participam no movimento acreditam desafiar ativamente as múltiplas formas como as pressões de gênero são aplicadas em sua sociedade, não apenas se retirando do cenário do namoro, mas também descartando os padrões de beleza difundidos no país e as práticas consumistas a eles associadas. Desafiando a vida tradicionalmente esperada pelas mulheres como o casamento e gravidez.
O movimento representa uma resposta à gestão do país da sua profunda crise demográfica, mas também uma ameaça à sua segurança democrática. Ao reforçar as políticas pró-natalistas baseadas num modelo patriarcal conservador, o governo da Coreia do Sul não consegue resolver uma das principais questões subjacentes à sua crise demográfica: as mulheres estão fartas de uma sociedade que lhes diz que o seu papel final na vida é casar e ser mães dedicadas, tendo que desistir dos seus sonhos e submeter-se aos seus maridos enquanto o governo lhes diz que devem reproduzir-se para salvar o país. Embora o governo tenha procurado aumentar as taxas de fertilidade através da promoção de um modelo familiar tradicional, estas feministas rejeitam a instrumentalização das suas capacidades reprodutivas e optam por "retirar-se" de uma sociedade que consideram insalubre e incapaz de lhes prover seus direitos mínimos.
Indicação:
Kim Jiyoung, Nascida em 1982, acompanha a deterioração psíquica de uma mulher diante da misoginia desenfreada. Em um apartamento arrumado nos arredores de Seul, a “mulher comum” da geração Y, Kim Jiyoung, passa seus dias cuidando de sua filha pequena. Mas aparecem sintomas estranhos: Jiyoung começa a personificar as vozes de outras mulheres, vivas e mortas. À medida que ela se aprofunda nessa psicose, seu marido preocupado a encaminha a um psiquiatra. Jiyoung narra sua história para este médico - desde seu nascimento até os pais que esperavam um filho, até professores do ensino fundamental que policiavam as roupas das meninas, até colegas de trabalho que instalaram câmeras escondidas nos banheiros femininos. Mas será que o seu psiquiatra poderá curá-la ou mesmo descobrir o que realmente a aflige?
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