
Atualmente a Coreia do Sul está passando por uma chamada "crise do sono". Conhecendo a competitiva sociedade coreana, principalmente em relação ao trabalho, essa informação não parece ser nenhuma novidade. O país está sendo reconhecido pela grave privação de sono, que chega a registrar a menor duração média de tempo de sono, cerca de 7 horas e 41 minutos, ficando atrás da média de outros países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) de 8 horas e 22 minutos. A satisfação com o sono dos coreanos pontua apenas 2,87 em 5, exibindo um declínio consistente anualmente. Fica claro que mais uma vez o país peca quando o assunto envolve o aspecto psicológico de sua sociedade sendo afetado. Apesar de ser conhecido como o país com o sono mais insuficiente a nível mundial, existe uma falta de consciência sobre os riscos associados à privação e aos distúrbios do sono no país.
A motivação para essa privação de sono tem origens históricas. Considerando seu passado, o país deixou de ser um dos países mais pobres do planeta para se tornar uma das nações tecnologicamente mais avançadas do mundo, também exercendo um poder brando considerável, com influência crescente na cultura pop. Esses fatos não ocorreram por sorte, podemos dizer que a Coreia do Sul basicamente se reergueu através da pura dedicação de uma população impulsionada por um nacionalismo coletivo que os levou a trabalhar incansavelmente, levando o ditado "trabalhe enquanto eles dormem" a outro patamar.
Apesar desse método ter funcionado para levantar a economia do país, não podemos dizer o mesmo sobre o impacto dessa narrativa sobre a saúde mental dos coreanos. A Coreia passou a ser reconhecida por sua crescente economia, porém, também é conhecida mundialmente pela sua crise na saúde mental . Pelo assunto ser um grande tabu na sociedade coreana, são poucas as pessoas que procuram assistência para transtornos mentais com medo do preconceito e retaliação de sua própria comunidade que, ao mesmo tempo que sofre, continua reproduzindo o ideal tóxico impregnado em sua cultura.
Quando falamos sobre drogas, somos primeiramente levados a pensar nas em narcóticos ilícitos. Relacionando essa categoria ao país sul coreano, é evidente sua política antidrogas é reconhecida como uma das mais rigorosas do mundo. Mas, vamos lembrar algo de insuma importância, a classificação das drogas em lícitas e ilícitas. Drogas lícitas apesar de serem legalizadas ainda recaem sobre a definição de serem substâncias, naturais ou sintética que, introduzidas no organismo modificam suas funções e algumas inclusive sendo classificadas como passíveis de dependência. Considerando a pobre política de conscientização da saúde mental, o grande julgamento sobre aqueles que procuram tratamento, pode-se imaginar qual a "solução" os coreanos tem tomado como apropriadas para seus problemas mentais, principalmente a insônia, o abuso de medicações soníferas e ansiolíticas.
Como uma boa ansiosa e amante do estudo psicológico, posso por experiência lhes contar que em nossas realidades corridas podemos deixar nossa saúde mental por muito tempo em segundo plano. Não só na Coreia, mas também em muitos outros países, ir ao psiquiatra, frequentar um psicólogo é considerado uma fraqueza. Até o ponto que somos consumidos pelo nosso transtorno e vemos a indiscutível necessidade de procurar um médico e somente essa iniciativa parece o suficiente, mas infelizmente lhes digo que não é.
Os soníferos e ansiolíticos são resoluções perfeitas nos primeiros momentos de um tratamento psicológico, afinal, eles solucionam rapidamente os sintomas que mais nos atrapalham quando se tem um distúrbio psicológico. Essa falsa ilusão de problema resolvido, pode perdurar por muito tempo e isso implica diretamente na continuidade do tratamento, tanto que passamos a ver como não mais necessário. Peço que se atentem a diferença entre os termos sintomas e doença, esses remédios auxiliam no tratamento da sintomatologia, mas não tratam a doença, a causa base. O abuso desses medicamentos se inicia quando, como toda e qualquer droga, o corpo cria resistência aos seus efeitos, fazendo o indivíduo criar uma dependência, mas que por serem drogas legalizadas não são tão notadas e discriminadas como a dependência em drogas ilícitas, apesar de oferecerem os mesmos riscos a saúde de um indivíduo.
Toda uma indústria cresceu apenas em torno de atender aqueles que não conseguem dormir, em 2019 a indústria do sono na Coreia foi estimada em 2,5 mil milhões de dólares. Em Seul, podemos encontrar lojas de departamentos inteiramente dedicadas a produtos para dormir, como simples lençóis e travesseiros. Enquanto as farmácias oferecem prateleiras cheias de remédios e tônicos à base de ervas para dormir. A Coreia não deixa de ter regulamentações rígidas sobre os medicamentos para dormir, mas conforme foi explicado anteriormente, a luta dos coreanos contra os distúrbios do sono aumentou, consequentemente esse mercado também.
Recentemente, foi identificado que cerca de 4 milhões de coreanos sofrem de distúrbios do sono. Embora os profissionais médicos tenham aconselhado que é necessário implementar uma mudança no estilo de vida e a adaptação de escolhas de vida saudáveis, a insônia continua a ser um problema persistente. O futuro permanece incerto e eles não podem ignorar a necessidade de trabalhar e não terem o "luxo" do tempo pra cuidarem de sua saúde da forma correta, por isso, por mais que os coreanos queiram ter melhores padrões de sono, a sua exigente vida pessoal e profissional os afeta negativamente.
Este persistente déficit de sono e a deterioração da qualidade do sono levaram a uma perda econômica nacional estimada em 11,497 trilhões de won, então, parece que esse, sim, foi um motivo suficiente para que houvesse uma séria discussão sobre o assunto no país. O 'Simpósio Parlamentar Nacional para Aumentar a Conscientização Pública sobre a Saúde do Sono', foi realizado em 2023, organizado pelo governo coreno onde foi discutido o fato de ser conhecido como o país com o sono mais insuficiente a nível mundial e a existência de uma falta de consciência sobre os riscos associados à privação e aos distúrbios do sono no país.
Nesse Simpósio o Presidente da Academia Coreana de Medicina do Sono e Psiquiatria do Hospital Samsung Seul, destacou os principais desafios contra a crise do sono entre os coreanos. Kim Seok Ju atribuiu esta questão a vários factores, incluindo restrições financeiras e as tendências nacionais que mostram um aumento na prescrição de ansiolíticos, hipnóticos e soníferos exaltando que o uso excessivo de soníferos pode levar a efeitos colaterais como sonambulismo e demência, causando preocupações significativas. O Presidente Kim enfatizou: "O aspecto mais crucial da abordagem da saúde do sono na Coreia do Sul são as atitudes sociais. Num ambiente onde o estudo e o trabalho extraordinário são priorizados em detrimento do sono, meras políticas são ineficazes. Criar uma atmosfera social que reconheça o sono suficiente como um direito fundamental é o desafio."
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